quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Que os setembros passem



"Quando entrar setembro
E a boa nova andar nos campos
Quero ver brotar o perdão
Onde a gente plantou
Juntos outra vez
Já sonhamos juntos
Semeando as canções ao vento
Quero ver crescer nossa voz
No que falta sonhar
Já choramos muito, muitos se perderam no caminho
Mesmo assim não custa inventar uma nova canção
Que venha nos trazer
Sol de primavera
abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender"

O sal de setembro caía sobre minhas costas. Foram longos dias. Dias muito difíceis.
Mas passou. Aprendi um pouco de tudo. Até que chegou o dia em que outubro se fez chuva, misturando-se as lágrimas de sal. Sal de setembro.
Outubro se fez mel, outubro se fez melhor, outubro se fez mulher.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Visão



Naquele buraco castanho escuro
Íris, contorno de simetria
Penetrei e excitei tua retina
Queria que fosse bem devagar
Queria ver os passos, servir de guia
Eu, luz dos meus olhos, já não me via
Mas eu queria, ah como queria
Perceber a ti sem me enxergar.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

"A cor dada" pelo meu pequeno gigante



Penso às vezes em ser gente grande só para entender porque ele foi embora. Não sei ao certo porque as pessoas se unem, constroem famílias e depois se vão. Deve ser coisa de gente grande. Montei a sua história relendo as cartas e revendo as fotos naquela cidade fria, tão fria que gelou seu coração.

Eu precisei aprender de cor a reagir sozinha, aprender de coração. Eu precisei da tua cor para pintar o colorido dos meus sonhos. Eu precisei andar sem pegar na tua mão. Eu precisei chorar em silêncio para não te acordar. Você dormiu demais pai!. Você dormiu nove longos anos. Eu transformei esses nove anos em quinze. Você sabe pintar, mas levou o pincel e a tinta da tua presença. Esperei todo esse tempo por tua cor.

Não sei quantas noites tive que esquecer que você existia só para a vida ser um pouco mais doce, suave como uma ária soando e acalmando os meus tímpanos de criança. A dor talvez não tenha sido tão grande porque tive sempre uma grande mulher ao meu lado, uma grande companheira, uma grande mãe e muitas vezes pai. Você me deixou pequena, tão pequena que não percebi quando fui viver o sal da minha infância.

Ali eu também te deixei, não por querer, mas por necessidade dos projetos de gente grande. É coisa de gente grande! Sempre tive você em pedaços, com frações curtas de seu tempo vago. Talvez seja por isso que te achei pequeno. Queria que você fosse grande como minha mãe... A vida me ensinou que não é quantidade de notas que torna uma canção bela, mas a pequena combinação harmoniosa dos seus acordes.

Acorde pai! Eu não tenho mais tempo e preciso ir! Eu vou morar nas montanhas frias e geladas das Minas Gerais. Não penses que estou te deixando como fizestes comigo, apenas preciso acompanhar quem sempre esteve ao meu lado. Deixo aqui o meu despertador de lembrança para que tenhas a lembrança que também penso em ti. Deixo também um pouco de esperança, dois sorrisos partidos com o adeus e a fé que irás acordar... Talvez um dia, quem sabe.

Fiz várias coisas nas lá pelas terras do “uai”: ginástica, balé, viagens, mas o canto me encantou. A música tocou na hora “certa”, não foi Ana Carolina?... Ali eu vivi e quase esqueci que tinhas me deixado. Quando vim de Lá eu tive Dó, mas o Sol não é só para Si, não Mi dei o luxo de Ré tornar. Eu realmente estava noutro mundo. Um mundo de gigantes, uma terra prometida, uma suave esperança, a música adoçava os meus dias...

Mas ele estava lá nas terras da caatinga com seus problemas gigantes, com suas falsas promessas pequenas, com doses exageradas, com seu mundinho miúdo. Não pai! Não ligue mais assim, nós não entendemos seus delírios, suas loucuras, suas escolhas e suas tardias lágrimas esquecidas... Isso é coisa de gente grande. Sabemos o quão grande é seu coração pai, gigante por não caber em si, pequeno por ter agido assim, escuro por não saber que somos o seu sol, escondido porque ainda dorme sozinho.

Eu, tua caçula, com jeito de gente grande, percebo a criança que há em ti, teu pequeno sonho, teu gigante pesadelo. Fui dormir tarde, pulei em tuas costas, quase quebrei tuas costelas. Depois dei risadas e risadas, pum aqui e pum ali. Ao fim, fizemos uma oração e adormeci em seus braços, levemente... O despertador tocou sete horas. Somente acordada, eu percebi a cor dada pelo meu pai aos meus sonhos, a minha vida, a minha voz. A cor dada pelo meu pequeno gigante. Entender a beleza que não morreu. O afeto pulsante que ainda temos. O cuidado em cada filme e sua mensagem. Isso sim parece coisa de gente grande.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Vamos comemorar?



Aos contornos que a vida encerra sempre nos deparamos com histórias interessantes. Histórias que nos fazem acreditar que a vida vale à pena. Conheci um casal latino numa dessas rodoviárias do interior do nordeste. Não lembro a cidade. Por coincidência perdemos o mesmo ônibus e ficamos a espera por mais de 10 horas. Conversamos sobre diversos assuntos, sobre filhos, relacionamentos e as surpresas que a vida no reserva.

Ele se chamava Enrico, 24 anos, magro, 1,67m, moreno, sorridente, bacharel em direito, recém desempregado, amante da literatura e grande sonhador, literalmente. Ela se chamava Lisa. Morena clara, forte, prestes a completar 41 anos, 1,71m, professora da área de exatas, funcionária pública, amante da arte, filosofia e uma errante, apaixonada pela vida. No primeiro instante achei gritante aquela aparente diferença física e de idade. Mas depois de conhecê-los vi que havia uma grande completude no casal.

Enrico viveu dois relacionamentos sem resultar filhos. O primeiro durou quatro anos recheados de ciúmes e desconfianças, a quem ele intitulou de relação doentia, eivada de psicopatia, com término não agradável para a sua moral. O segundo fruto de uma fantasia idealizada por ele mesmo, Enrico se apaixonou por uma professora de literatura, que alimentava através de seus contos a falsa promessa de amor verdadeiro. Ela dizia que iria se separar para viver com ele. Esse talvez tenha sido seu maior erro. O alce que acreditou na onça. Enrico viveu esse romance por mais de um ano e ficou a ver navios. Ela ainda insiste em relatar através de contos sobre a estória que os dois tiveram. Ele ainda mantém sua curiosidade ativa.

Lisa viveu três relacionamentos com saldo de três filhos. O primeiro foi um relacionamento adolescente e resultou uma filha. Durou menos de dois anos. O segundo durou quase dez anos. Uma relação aparentemente estável, tanto afetiva quanto financeira. Os outros dois filhos são frutos desta relação. Lisa casou-se com um professor de biologia de nível técnico e ambos ensinavam na mesma escola. O término deste se deu por conta do seu terceiro relacionamento. Lisa desprezou os valores mais dignos da família para viver uma relação irresponsável. Todos aqueles que a conhecia reprovaram sua atitude. Esse relacionamento foi uma verdadeira bagunça na vida de Lisa, conferindo apenas direitos para o diabo que entrou em sua vida. O demônio quando quer ver a infelicidade de uma família não manda recado, ele é o próprio portador da maldade. Depois que Lisa tirou a venda dos olhos e enxergou os seus familiares que há muito tinha esquecido, saiu daquele inferno e passou a trilhar outro caminho em busca de uma vida melhor.

O erro cometido por Lisa teve um lado bom. Fez com ela se encontrasse com Enrico. Parece divino. Duas pessoas que moravam na mesma cidade há anos e não se viam, numa única semana se encontraram três vezes. Deus queria esses dois juntos!
Os dois se conheciam vagamente, mas nunca se imaginaram juntos. Lisa soube do término do primeiro relacionamento de Enrico e propôs uma amizade para falar de suas experiências desastrosas. Ali começou um olhar interessado de Lisa por Enrico. E uma semana depois... Advinha?... Os dois descobriram a paixão e o amor floresceu.

Lisa, lisa de esperanças ficou com Enrico, rico de sentimentos. As operadoras telefônicas agradecem. Eles se falam pelo menos 10 vezes por dia. Os postos de gasolina também. Eles se revezam atravessando a cidade para se amarem todos os dias. Viajam e viajam. Escrevem, choram, sonham, resmungam, brincam e se amam e escrevem, se amam e sonham e se banham, se amam e se amam...

Esse sim é real, verdadeiro e latino. Sem fantasias, sem mentiras, sem desculpas.
Lisa é a mulher que há no homem e Enrico o homem que há na mulher. Será que eu os conheço?... Não importa! Mas agradeço a Deus por saber e experimentar dessa história. Agora nós devemos comemorar.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Não adianta fugir, você está preso!



E se a história tivesse sido outra?... E se viajasse no tempo?...
Será que dava para realizar todos os sonhos e desejos?

Alguém me disse que tinha sonhos. Contou-me de alguns desejos e que sua vida seria bem mais feliz quando realizasse esses sonhos e consequentemente os desejos. O homem deseja sempre e sempre lhe está faltando algo ou alguém. Tão logo realiza seus sonhos e desejos, o homem passa a buscar outros e outros sonhos, outros desejos...

Nesta longa jornada de busca, realizações e frustrações, nossa história individual acaba se misturando com a de outras pessoas. Nossas escolhas individuais não são tão individuais como pensamos. Um relacionamento entre dois indivíduos pode gerar uma família. Assim como várias famílias formam uma sociedade. A sociedade sonha, a família sonha, os casais sonham, os indivíduos sonham e todos escolhem. Todos nós escolhemos, aqui e ali.

Não mudamos a história através de nossos sonhos, desejos e escolhas. Construímos a história. Uma escolha individual constrói um evento. Este será parte da história. A única coisa objetiva que temos é a própria história. A escolha é subjetiva. Somos dois pontos de interrogação com um ponto de exclamação no meio: passado(?), presente(!) e futuro(?).

Nada podemos conjecturar pelo que passou simplesmente pensando se a escolha tivesse sido outra. Já passou e não se muda o passado. Mesmo vencendo o espaço- tempo, como no filme Déjà vu, através de um atalho chamado "buraco de minhoca", retornando ao passado para “consertar” a história, mudar-se-ia apenas um evento e não toda a história. Mas isso é muitíssimo improvável!

A história é composta de todos os eventos ocorridos num instante, num dado momento, numa determinada época. Porém nem todos os eventos estão associados. A maioria deles estão isolados, outros fracamente vinculados e só o próprio universo é vinculado a tudo. Teríamos que mudar o universo para mudar a história de todos os eventos.

Por outro lado, considere que A, B e C sejam respectivamente os instantes correspondentes ao passado, presente e futuro. Se fosse possível a “viagem” de B para A através de um atalho no espaço-tempo, A seria agora então o presente e B o futuro. BA seria uma viagem ao passado e AB o retorno para o futuro. Portanto poderíamos também fazer as viagens BC, AC e CA. O espaço-tempo seria uma circunferência com pontos distintos representando os instantes A, B e C.

Desta forma, ao escolhermos qualquer um dos pontos para representar o presente, os outros dois seriam o passado e o futuro respectivamente. Configurações como ABC, BCA e CAB seriam possíveis. Ainda poderíamos tornar tão pequena essa circunferência que os pontos chegariam a se coincidir. Imagine o menor intervalo t possível. Você pode dividir ainda em três sub-intervalos representando os passado, presente e futuro. No limite estaremos sempre no presente. Portanto, passado e futuro são formas espaço-temporais de representar o presente.

Olhe para seu relógio analógico e fixe no ponteiro dos segundos. Veja o movimento do ponteiro transformando presente em passado. Antes que ele chegue ao próximo marcador, fixe seu olhar. Você está “olhando para o futuro”. O marcador que você olha agora é presente, daqui a 1 segundo é passado e daqui a 59 segundos é futuro. O que faz o tempo se comportar assim?

Pense agora se fôssemos imortais e imutáveis? Certamente não existiria a noção e nem a importância conferida ao tempo. Os sonhos e desejos poderiam ser realizados daqui a uma hora ou daqui a mil anos. Isso não era problema. Isso não era importante. Nossos sonhos e desejos estão atrelados ao desconhecimento que temos em dominar o tempo. Nossas escolhas são feitas no tempo e a ele retornaremos para agradecer ou se lamentar. Pensamos sempre que o tempo vai acabar.

A vida que se transforma em morte, se transforma no tempo e no espaço. Mesmo para aquele que está aprisionado numa cadeia, o tempo para ele é pequeno. O tempo que lhe restará ao cumprir sua pena. Quer fora ou dentro de uma cela, seremos sempre prisioneiros. Prisioneiros dos sonhos e desejos. Prisioneiros das nossas escolhas. Prisioneiros do tempo. Essa é a nossa história. Mesmo que voltemos no tempo e alteremos parte dessa história, não teremos mudado o tempo. Apenas desviado o seu percurso e retornado para a prisão.

Ironia: Aos homens "grandes" que não sabem o que são "pequenas" mulheres


Um homem não é medido pela
sua altitude, mas pela sua atitude.

João Noilton da Costa


— Ah não! Se não tenho inspiração, eu a invento.
— Ah não! Não importa de onde ela venha. Pode ser de uma dama, de uma menina, de uma mulher, de uma puta...
— Ah não! Ao lado de minha dose tudo é possível, é fácil demais, mesmo que muitas vezes seja nojento descrever meus lindos encontros...
— Ah não! Com minha literatura eu sou um grande homem...
— Ah não! Já usei diversas mulheres para escrever e descrever os motéis desta cidade, como foi o último gozo e a cara de cada uma delas acreditando que eu as amo.
— Ah não! Divulgo como faço, fiz e vou fazer para achar minha inspiração.
— Ah não! As mulheres são damas idiotas quando as descrevemos em um poema e que eu, somente eu, sei escrever muito bem.
Ah não! Eu sei fazê-las se sentirem grandes quando as divulgo de forma vulgar.
— Ah não! O sentimento é piegas, é apenas uma pitada, um enfeite, um detalhe.
— Ah não! Mas eu gosto de todas elas e quero que elas sejam felizes, mesmo que vez por outra eu atrapalhe seus sentimentos com outras pessoas quando escrevo o que fiz com elas... Isso mostra como eu sou bom demais naquilo que eu conto.
— Ah não! Tu sabes o que é pior?... Elas acreditam! Elas adoram... Lêem mesmo sabendo que é tudo mentira... Ficam com raiva, sei lá, felizes, lisonjeadas, mas adoram fazer a leitura...
— Ah não! Mas aquela coitada que eu deixo em casa, essa meu amigo, eu não deixo não! É meu porto seguro!
— Todas as vezes que eu uso uma dessas fantasias amorosas, quando eu volto pra ela, minha verdadeira dona de casa, é aquela lua de mel...
— Ah não! Não diga que eu sou pequeno! Eu sou?... Ah não!

Ah Sim! Eu não sou escritor e nunca pretenderei ser.
E também não confunda 'Ah não!' com homem pequeno, tenha certeza.

Excesso



Cesso o meu buscar porque já não encontro.
Cesso o meu olhar, pois já não encanto. Sobrou-me o pranto.
Cesso a minha fala porque já não escuto... tudo cala.
Cesso a minha dor por já ter me acostumado ao câncer dos meus dias.
Cesso a minha lágrima por não ter mais rosto para escorre-la.
Cesso a minha esperança, pois já não tenho sonhos.
Cesso o meu desejo porque mutilaram meu corpo.
Cesso o meu caminhar por não saber aonde ir.
Cesso a minha alma por não acreditar no homem.
Cesso a minha alegria por não ter mais sorriso.
Cesso a minha verdade por ser réu confesso.
Cesso o meu excesso por amor
E por amor te peço...
E pelas mãos não faço...
E pela noite esqueço...
E no vinho fracasso...
E neste corpo em pedaços
Cesso o meu amor por amar em excesso.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

E quando eu sentir saudades...



Brasil 1 x 0 Holanda. Nunca vi tanta euforia na casa da minha mãe. O berro da vuvuzela combinado com os gritos da minha mulecada estourava os ouvidos do meu pai. Ele, cansado de sua obra inacabada, parecia já saber o resultado final, quase que irritado com aquele barulho. Minha mãe tinha certeza, mas a festa era nossa. Quase não se via o jogo, apenas comemoração. Nunca fui tão feliz na vida. Meu neto, meus filhos, minha Naya, Gracinha que lava celular, todos apostando naquela vitória já certa. Eu fui atrevido e apostei 5 a 1 para o Brasil. O sonho durou pouco e nem preciso contar como terminou o jogo.
Aquele jogo tinha sido o fato da minha filha e meu neto ainda não terem partido para terras paraguaias. Creio que se o Brasil tivesse vencido, eles tinham ficado mais tempo. Naquele momento comecei a sentir saudades. Saudades de ir a Sousa, saudades do terceiro andar, terraço do Troodom Park Hotel, saudades dos passeios de uno, saudades de lhe dar massagens, saudades de não ter ficado mais tempo ao seu lado, saudades de sentir saudades.

Depois de 22 anos abri o baú do meu coração e encontrei o amor perdido, o tempo perdido, os momentos perdidos. Porém encontrei a cumplicidade, o afeto, o cuidado que não sabíamos demonstrar um para o outro. Mas foi na última noite no Troodom que falamos da vida, dos projetos, dos sonhos, das amizades, das verdades. Era uma despedida traduzida em risos, lágrimas e atenções àquela criança travessa. Esta, insistia em derrubar as tampas dos recipientes de cerveja daquela altura para chamar nossa atenção.

Foi ali, contemplando as luzes de Sousa, apreciando o céu daquela cidade, naquela linda noite estrelada, que vi a possibilidade de não ficarmos tão distantes. Quando sentires saudades, olha para o céu e mira o cruzeiro do sul. Lá eu estarei de braços abertos para te afagar. Lá eu serei a tua referência, os teus olhos ajangaiados, tuas pernas cambotas, heranças que nos identificam. Lá também eu serei os teus erros e a esperança de vencer.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Onde foi que eu me perdi?...



Não me arranque as pernas, eu fugirei. Não fure meus olhos, eu já vi tudo. Não queira calar a minha voz, eu sou cigarra. Não tire minha consciência, eu sou insônia. Não me procure, eu não existo. Não me roube os sonhos, eu os recrio...
Essa coisa chamada "Eu", vive das cinzas, queimada na lareira da existência de cada um. Isso mesmo! Não somos nada além daquilo que experimentamos e que pensamos ser. Um amontoado de livros quase lidos. Um ouvido cheio de cera, meio surdo de propósito. Escutado apenas aquilo que quer ouvir. Uma cabeça suportada por um pescoço separando duas orelhas. Ora não pensa. Ora finge que pensa, ora pensa que pensa. Somos parecidos com um rio que já sabe para onde vai...
Ontem eu tive frio. Precisei me abraçar, aquecer-me e sentir minha respiração, mas eu não estava ali para dividir o lençol comigo mesmo. Eu quase sempre me abandono nas horas mais importantes. Medo, auto-piedade, masoquismo, covardia?... Não sei.
Já coloquei anúncios nos jornais daqueles que amo na tentativa de me encontrar. "Procura-se um velho moço com olhos ajangaiados que perdeu uma adolescência e que jamais a encontrou". Será que procuro o velho moço, o moço velho ou a adolescência perdida? Não consigo distinguir. Apenas disfarço e faço pose que sei de tudo.
Faço aqui um apelo para resgatar esse desaparecido: aquele que me encontrar perdido nas ruas, bebendo, sem destino, conversando filosofia barata, avise-me que irei buscá-lo para ficar definitivamente junto de mim, o local de onde eu nunca devia ter saído.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Precisava de arco-íris...



Precisava pintar minha solidão, meu escuro vazio, meu horizonte de problemas acumulados, minha alegria esquecida nas mesas de bares. Procurei em cada canto dessa cidade pincéis, tela e tintas sui generis para criar minha nova paisagem. Queria cores, vida, alegria interior. Pensei em vários ambientes bucólicos mas percebi que apenas um arco-íris me bastava. O meu outubro chegou com seu dia 15 para realizar tal desejo. Depois desse dia comecei a coletar as cores necessárias. Ela passou a ser minha aquarela. O vermelho retirei do sangue que ficou em minhas unhas, quando lhe rasguei as costas de tanto prazer. O alaranjado recolhi dos seus fios de cabelos deixados no sofá escuro, resultante de um puxar animalesco do fogo que ardia em nossos corpos. o amarelo capturei das suas unhas desenhadas com doçura e mel. O verde retirei da tua bílis encharcada de vinho e azeitona de mais uma noite delirante. O azul foi encontrado numa tanga de cetim deixada em baixo dos nossos lençóis. O anil arranquei do teu olhar profundo quando olhavas para o céu. O violeta saiu dos teus lábios, roxo de calorosos beijos mordiscados. Estava com todas as cores, mas precisava ainda do branco e do preto. Retirei o branco do teu sorriso deixando os seus dentinhos separados. Ah que sorriso inesquecível... O preto foi elaborado com sobras do teu segredo.
Pintei assim a minha felicidade, cada cor vinda de ti.
Cada traço que eu faço, não disfarço meu amor, apenas junto um pedaço, meu e teu, aqui e ali. Nosso tempo tem compasso, escrever uma história, rabiscar meu céu e com tuas tintas, colorir.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Cativemos essa flor



Quem é essa menina com uma baladeira no pescoço?
Parece que essa sua cara de mal é um pouco para desafiar o tempo e a dor...
Quem é essa sua prima que mora lá para as bandas da capital? Uma loira poderosa...
Ela parece carregar em si uma alegria triste, com um gesto escondido atrás dos olhos de uma dura e bela contabilidade: uma perda irreparável e uma experiência milagrosa.
Eu tinha medo de enfrentá-la, juro! A Tuxa, minha Tuxa sua prima, sempre lhe traduzia como uma personalidade delicada, reservada e de difícil acesso. Parecia verdade!
Mas te conheci o suficiente nos pouquíssimo momentos que tivemos.
Carregas contigo uma criança esquisita desafiadora, uma moça de olhar cinza escuro e uma mulher de sorriso praia-shopping.
Não! Não é bem assim que deves se sentir...
Mas aprendi a perceber o que está além de seus olhos.
Percebi que suas lágrimas foram transformadas em tinta para tatuar seu corpo, homenagem eterna do seu amor infinito.
Também vi a criatividade e molecagem nos codinomes repassados para os mauricinhos e atrevidos de plantão.
Alguém que busca viver e desafiar as adversidades com simpatia e bom humor. Que aceita a dificuldade como aprendizagem. Que estampa a sinceridade em seus sentimentos.
Que carrega em si uma experiência valiosa da vida, o milagre de Deus e a capacidade de suportar a dor.
Por último, proponho uma mudança: trocar o nome da mais bela roseira que seus pais até hoje cultivaram, por esse: Uma roseira chamada Alaíde que brota todos os dias uma flor de nome Raquel.
À você e a este dia, eu e Tuxa, seremos seus eternos colibris.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Nessa vida, pinte sua estrada



Minha vida, essa eterna rodoviária, com passageiros sonhos filosóficos, com viagens reais de palavras. Palavras que não escondem a verdade, as vezes talhadas na memória, as vezes na consciência presente ou numa expectativa futura.
Foi lá que percebi tua chegada, a possibilidade, teu cheiro, tua fala, teu ser, mesmo que, naquele instante, tivesse que partir.
Ali tu esperavas teu sangue vindo da Paraíba: a mana e a menina linda - dodoilinha.
Nesta rodoviária percebi sua companheira de trabalho e ouvi seus comentários sobre as minhas viagens. Tive que fazer esse breve comentário sobre o que arranco de mim mesmo das viagens que fiz, para que ela, também eterna viajante de si mesmo, conheça um pouco das várias estradas dessa vida, principalmente porque muitas vezes ficamos sem destino ou porque nem mesmo sabemos aonde estamos.
"Não cravo o que vejo, mas aquilo que escrevo. A vida e suas dores são reais. Não a fantasiemos por mera compaixão ao que sentimos. A verdade dói e precisa ser dita para que aprendamos com a dor a não experimentar os mesmos enganos. Isso não é nostalgia nem sentimentos tardios. Isso é um outro modo de dizer, que ao abraçarmos com uma roseira, somos mais espetados com os seus espinhos, que perfumados com o cheiro de suas flores".
Para um bom viajante, meia passagem basta!
Retornando a rodoviária, comprei duas passagens e fui viajar com minha tuxa...
Nosso ônibus tem um excelente sistema de refrigeração. Nossos corpos adoram esse clima. Partimos à noite. Ficamos grudados, roçando nossos corpos libidinosos e sentindo a orgia no respirar do outro. Um beijo macio e tenro invade nossos desejos e aquece nossa pele naquelas cadeiras frias. O delírio que o proibido proporciona, faz-nos puxar os cabelos sem sentir dor, gemer feito bicho selvagem, arranhar as unhas como se quisesse rasgar a pele do outro, sua roupa, atingindo sua alma até que o casal ao lado desperte-nos com um hrum, hrum, clamando para acabar a excitação.
Ufa, eles viram e ouviram tudo! Calma... Ah!... Acabamos dormindo, agarrados, mas com o desejo sufocado.
Amanhece, um gole d'água ou um café, quebra o jejum carnal daquela noite.
Puxamos a cortina do ônibus e passamos a apreciar a paisagem que viaja pela janela. Vilarejos paradisíacos, crianças nos rios, lagos, casebres colonias, edifícios gigantescos, pontes, túneis, anéis viários, tudo nos remete a fantasia. Projetamos sonhos com aquelas imagens. A vida é essa longa viagem e por mais que andemos não queremos terminar, parar, estacionar... A viagem é uma experiência. Se não provarmos o seu sentido, nada terá valido a pena nesta vida.
Alguns ônibus são mais confortáveis que outros, mas todos eles te levam para algum lugar. Isso é o que importa.
Saiba que mesmo sem dinheiro conseguimos viajar. A pé, de bike, de carona, de jegue, avião, ônibus... Alguns querem percorrer longas distâncias dentro do seu eu, outros querem apenas não ficar no mesmo lugar.
Em pouco tempo, conheci com a Tuxa várias locais inexplorados antes por mim.
"Tem sido maravilhoso viajar ao teu lado". Por mais curioso que eu seja, sempre tu mostras outros ângulos para observar uma mesma paisagem. Discordamos, é claro, quanto a beleza que envolvem nossas paisagens interiores, mas sempre chegamos a um consenso.
Rogo a Deus que o tempo e sua sabedoria nos dê a oportunidade de mostrar a todos que nós dois nascemos para percorrer este mundo. Quando um dia pararmos, serviremos de exemplo para nossos filhos, parentes e amigos, como "dois eterNos e terNos viajantes".

domingo, 18 de abril de 2010

No amor, a eternidade tem um "fim"



Quantas juras de amor para sempre todos nós não já fizemos?...
Quantas vezes fitamos o olhar no outro profundamente e enaltecemos essa juras?...
As vezes na volúpia do sexo, as vezes na promessa de uma casamento, as vezes no contemplar da lua, no por do sol...
Quantas sonhos todos nós não projetamos para viver a felicidade eterna?... Ainda bem que foram apenas sonhos. Acordamos num triste dia e percebemos que aquele amor acabou, enfartando-se em si mesmo, ou que ferimos o outro até sangrar toda a felicidade almejada. Talvez esse "amor para sempre" tenha se suicidado por não entender a eternidade. Quantas vezes ele estava tão cansado de sofrer, encostou-se, adormeceu e morreu silenciosamente em nossas atitudes.
Outras vezes se acovardou e nem permitiu sua existência ou continuidade.
Mas o pior não é quando ele acaba. O pior é o que todos nós fazemos do outro, aquele que juramos amar para sempre, quando essa eternidade dura pouco.
Tantos momentos bons agora condenados a nossa lembrança porque acabaram.
— A culpa foi sua! Eu sabia que você não prestava! Você me traiu...
Uma eternidade pode ser expressa em segundos, dias, meses, anos...
Somos efêmeros, passageiros com destinos diversos mas com parada obrigatória. Tudo morre, tudo acaba um dia, nada é eterno, somente Deus.
O amor só seria eterno se o mesmo tivesse sempre existido. Sem início. Sem nascimento. O amor nasce, cresce e morre. As vezes morremos junto com ele... Todos nós não nascemos para aceitar esse fato...
Portanto viva a eternidade nesse minuto, daqui a 60 segundos ele acaba. Diga "eu te amo" a quem merece essa sua declaração. Não tenha medo de dizer, talvez seja tarde demais... 58, 59, 60. Pronto! Acabou. É assim a vida. Achamos que ela também nunca acaba. Quando verdadeiramente amamos transformamos esse amor na razão de nossas vidas. Eis o motivo de acreditarmos no amor eterno.
Por isso não condene os outros, nem tampouco nos condene! Condene a eternidade, condene o amor que não te avisou que um dia podia morrer. Condene-se a lembrança desse amor que apesar de ter morrido ele um dia fora belo em sua eternidade passageira.

Não condene a roseira pelo espinho que fura
Condene a flor por exibir a beleza pura
Condene a lembrança porque no tempo dura
Mas não condene o tempo, pois só ele cura.

Assim, a jura de amor eterno, carrega em si "um fim": esconder eternamente que o amor tem sempre um fim.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Tum-tum, tum-tum, tum-tum...



Tu és o dono da verdade. Só em ti ela se revela. O que te faz ser assim? De onde viestes? Porque não tira férias e descansa um pouco? Muita gente apressada ou estressada iria adorar. A tua crueldade as vezes me assusta, mas também carregas consigo o elixir da conformação.
Ontem eu estava numa fila e percebi que estavas ali perturbando aquelas pessoas inquietas. Pessoas que te olham e não sabem da tua essência. Tu me ensinastes coisas maravilhosas exatamente nestes locais. Paciência. Equilíbrio. Aprendi que cada pedacinho teu faz parte da lição da vida. Esperar nada mais é que absorver a tua sabedoria.
De nada vai adiantar fugir de ti. Tu estás em toda parte. Alguns te odeiam, outras nem percebem a tua presença ou que tu passastes. Quando estamos diante da pessoa amada, ignoramos-te. Quando distantes, odiamos-te. Faz parte desse jogo da vida, ninguém é perfeito.
Quando viajo, quando adoeço, quando fujo, quando esqueço, percebo a tua presença mais intensa. Mergulho em mim mesmo e vejo que não passastes por alguns locais de minha alma. Porém, tatuastes em minha história momentos fantásticos, inquietantes e alguns perturbadores. Tum-tum, tum-tum, tum-tum... Continuas vivo, bombeando o universo, alterando a vida, mapeando os sonhos, acalmando as tragédias, corroborando a espera.
Só tu és capaz de entender o processo de transformação da vida em morte. Viver é morrer em ti. Morrer é não perceber a tua essência. Quando olho para minhas rugas percebo em ti a criança que fui. Quando questionava em ti a criança que era, conjecturava as possibilidades dos meus cabelos brancos, do meu andar cansado, do meu olhar profundo, dos sonhos não realizados...
Não podemos discutir a tua uniformidade, o teu nascimento, o teu fim. Apenas imagino que não és contínuo. Tu és discreto: tique-taque, tique-taque, tique-taque...
Tu és o senhor das horas, o senhor da vida, o senhor da cura, o senhor da verdade, o senhor da história...
Tu és o tempo.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sempre via a escada sem enxergar os degraus



Hoje tive que ir embora... Levei pouca coisa. Mas para todos aqueles que partem, foi sempre assim. Fiz um grande esforço para adquirir o que acumulei, alguns bens materiais e outros que não sabemos estimar verdadeiramente o seu valor.
Abri aquela porta e desci a escada. Naquele momento vi que era impossível voltar. Nunca fui uma chave, mas abri e fechei muitas portas em minha efêmera vida, pode acreditar. Nunca fui água e terra, mas fiz crescer muitas flores, gerei muitos frutos, enfeitei muitos jardins...
Antes de abri a porta, olhei minuciosamente para tudo que ali estava. Acho que deixei o suficiente e necessário. Não vou mais precisar disso. Mas eu não te vi lá. Perdoe-me em ter que ir embora sem me despedir. Lamento de não ter deixado o meu último sorriso, meu último adeus...
Apesar de ter subido e descido várias vezes aquela escada, nunca percebi o que estava escrito em cada um daqueles degraus.

Desci o primeiro e segundo degraus e vi escrito: "Fé e Esperança". Só podemos ter esperança através da fé. Esta é o que nos leva a Deus. Mas muitas vezes eu descuidei da fé... Mas acredito que tentei fazer o melhor.

No terceiro e quarto lia-se: "Compaixão e Perdão". Ali eu vi quantas vezes tive a chance de perdoar e não o fiz. Vi que muito daqueles que necessitam, passam invisíveis aos nossos olhos. Faltam-lhes muitas vezes apenas um simples pedaço de pão, uma palavra, um abraço, uma lágrima ou um gesto fraterno.

No quinto e sexto estava escrito: "Paciência e Respeito". Quantas vezes nos aborrecemos com o excesso de trabalho, com o choro de uma criança, com reclamar de um idoso, com o trânsito, com a fila, com o barulho, com quem juramos viver o resto da vida... Esquecemos que paciência é um sacrifício por respeito ao tempo. O tempo é a pérola mais preciosa da vida. Precisamos compreender o que ele nos apresenta. Em cada minuto vivido se pode extrair um ensinamento.

No sétimo e oitavo degraus tinha: "Inteligência e Dedicação". Não adianta ter conhecimento acumulado sem fazer uso da ação. Também não adianta esforço algum sem compreender o seu significado. O sucesso é fruto dessa combinação.

No nono e décimo degraus via-se: "Família e Amizade". Muitas vezes o melhor amigo está na sua família, como muitas vezes você tem uma família de verdadeiros amigos ou ainda, alguém sem nenhum parentesco te ajuda com se fosse da tua família.

Por fim, no décimo primeiro e segundo degraus estava escrito: "Amor e Renuncia". Amar é renunciar o que lhe há de mais valioso sem esperar nada em troca. Quantas vezes renunciamos alguma coisa esperando uma recompensa. Se renunciar todos os valores e bens de tua vida, sem amor, de nada servirá. O amor e Deus são reflexos sem a necessidade de espelhos. Quem sente um, sentirá ou outro.

Apesar de nunca ter lhe visto, tenho a certeza que agora saberemos o que é essa despedida. Você um dia também descerá essa escada e perceberá que ali, em cada degrau, poderá ter até mais coisas escritas. Para alguns isso leva poucos anos, para outros, a vida inteira. Mas hoje eu desço para nunca mais subir esta escada. Você vai voltar. Vai subi-la e não vai mais me encontrar lá. Eu vou deixar apenas um pouco do meu cheiro, talvez nas flores que cultivei, talvez no corrimão dessa escada, talvez na tua lembrança...

Queria apenas te fazer um pedido. Tente ler cada um desses degraus em cada dia que subir ou descer essa escada. A vida é breve e não importa se subimos ou descemos escadas. O que importa é o significado de cada degrau. O degrau que te faz descer, é o mesmo que te ajudará a subir. A não observância do significado de um degrau te fará descer na escada da vida, assim como a sua percepção e prática do que ali está posto, te fará subir.

Não preciso dizer para onde vou. Apenas levo uma enorme saudade e a certeza que um dia iremos nos encontrar...

À Janiere (in memorian)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

De onde vem esse som?



Onde estará o mistério disso tudo?
Não queria ouvir, apenas falar
Onde está a língua? Eu fiquei mudo
De onde vem esse som? Quero escutar

Esse som não é para se ouvir
A tua alma precisa de emoção
Só o espírito poderá sentir
Esse som vem lá do coração

E sempre quando tu perdido estavas
Mandava-me que Eu fosse às favas
Nunca escutou os chamados Meus

Havia um vazio que a ti matavas
Ela ajudou que quebrasse as travas
E a perceber que aquele som era de Deus.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Siga seu coração e seja feliz!... Se puder



Vou contar essa história em duas partes. Não quero chamar de testemunho, mas de uma pequena reflexão sobre as escolhas que constantemente fazemos. Alguns escolhem racionalmente, outros combinam razão e sensibilidade. Porém, ainda existem aqueles que seguem o coração e...

Desde a minha infância segui o meu coração. Detestava seguir regras. Mesmo sabendo que elas estavam certas e que o preço da transgressão iria doer bastante em minhas pernas. Apanhava seis meses por ano. Se tivesse apanhado ontem, hoje me comportava. Mas amanhã já me sentia com o crédito de fazer mais uma peripécia. Ainda hoje não sei se eu era danado ou apenas desafiava o que estava posto. A verdade é que sinto muita saudade daquele tempo.

Antes de ir buscar o leite, era preciso varrer a casa. Minha mãe era costureira, meu pai um simples vigilante. O salário não dava para ter uma empregada e eu tinha que ajudar nos serviços da casa. Eu costumava quebrar as regras nos "mandados". Por volta das oito da manhã, eu deixava a vasilha com dona Eliete, uma leiteira baixinha e gorda, dizendo-lhe que voltava já. Balela!!! Eu simplesmente sumia! Quando não ia jogar bola, acompanhava os garotos mais velhos que iam caçar de "baladeira", tomar banho no rio ou pedir emprestado as bananas dos sítios da vizinhança. Chegava as vezes seis horas da noite. Uma surra, é claro! Depois o castigo. Mas tinha que ter a "pisa".

Na adolescência, por volta de 1985, assistia com entusiamo o Super Special com Serginho Café, depois com atual apresentador do Pânico na TV. Conheci o U2, A-ha, Pink Floyd, Menudo, Legião Urbana, Titãs, Paralamas, Barão Vermelhos entre outros. Foi uma época tranquila até eu me apaixonar. Comecei a trabalhar aos 13 anos numa gráfica, picotando passagens, mas como sou curioso, aprendi rápido e passei a ocupar a função de compositor tipográfico. Estudava a noite. Não tinha tempo para namorar. Qual a solução? Quebrar a regra, seguir o coração. Deixei a escola! Perdi o primeiro ano do ensino médio e três meses depois, a namorada. Esta, a principal causa de ter deixado a escola.

Fui a um retiro espiritual e lá comecei a namorar com uma moça três anos mais velha. Ela morava na mesma rua da minha ex. Queria lhe fazer ciúme. Eu era virgem com 16 anos. Meus pais preocupados me alertaram sobre gravidez. Eu não segui a regra deles. Segui a dela: "transar sem camisinha 14 dias contados a partir do primeiro dia da menstruação"! Dane-se a razão! Não me pergunte nada. Eu tenho uma filha linda com 22 anos e dela um netinho com dois anos. Copiou o pai. Pois é, fui pai com 17 anos e... tudo tem um preço. Antes de completar dois anos me separei.

Lutei para mudar a inconsequente "quebra de regra" através do estudo. Em 1989 fiz vestibular para Engenharia Elétrica em Campina Grande e fui reprovado. Fui aproveitado com a segunda opção em Cajazeiras-PB no curso de Ciências. Lá eu conheci a pessoa que se tornou, depois de 3 anos de namoro, a mãe dos meus outros dois belos filhos: minha cantora e um apaixonado por informação. Depois de um ano fui aprovado para cursar Engenharia Civil em Campina Grande. Ela ficou cursando Ciências e eu pegando carona no Serrotão a cada 15 dias quando queria vê-la. Depois de 2 anos, quebrei novamente a regra, deixei o curso e voltei para Ciências, ou melhor, para a namorada.
Esta foi uma fase próspera. Dávamos aula nos colégios e cursinhos da região. Eu física, ela biologia. Construímos um lar e traçamos vários projetos.

No final de 1994, fomos aprovados num concurso público. Eu na capital paraibana, ela no interior. Depois de um ano, fiz o que ninguém faria: uma permuta. Segui meu coração. Saí da capital e vim para o interior. Essa foi uma quebra de regra com meus estudos. Tinha feito o concurso para o sustento num mestrado em física. Vivíamos relativamente bem. Tivemos alguns problemas, mas todo casal tem. Poderia tê-los vencidos se não tivesse queimado a minha adolescência e ouvido os conselhos dos meus pais.

Numa noite quente de setembro de 2000, encontro num bar uma menina 10 anos mais jovem que eu. Nela eu vi a possibilidade de reencontrar o espírito jovem de adolescente. Eu precisava de uma companheira que violasse as regras comigo. Uma companheira para ir a todos os bares e estar comigo nos horários mais absurdos, transgredindo as regras. Fui me envolvendo clandestinamente com ela até que um dia confessei tudo para minha esposa. O mundo caiu, mas mesmo assim, ela se esforçou para que tudo não terminasse. Várias pessoas vieram me pedir para que eu analisasse tudo o que estava deixando. Segui meu coração. Saí de casa e fui viver a suposta adolescência no início de 2001. Essa foi a mais drásticas de todas as transgressões. Eu e minha concubina fizemos muita gente sofrer. Ela penalizada pela família, eu estigmatizado pela sociedade, minha família violentada pela minha nova escolha. Tive muitos remorsos e conflitos por tudo isso, mas tinha seguido meu coração... e o coração nunca erra!

Convivi 9 anos com ela. Uma vida extremamente senoidal, entre altos e baixos, idas e vindas, até que em setembro de 2009, decidi ou decidimos por um fim. Eu sou muito difícil, reconheço. Mas também tenho uma alma boa. Mas esta história irei contar na segunda parte, onde farei uma abordagem dos últimos anos e meses, das pessoas que me decepcionaram, das alegrias, do amor, do medo, da dúvida, do suicídio, da esperança, do encontro com Deus... Aguardem!

Aqui peço licença para interromper a primeira parte e dela extrair o objeto para uma reflexão.

Se tivesse que acertar tudo, caminhar em linha reta, comer arroz com feijão todo dia... Seguir a receita de bolo elaborada pelos nossos avós... Certamente não teríamos experimentado a vida e suas possibilidades.
A vida é uma grande experiência. Um grande restaurante de relações com um enorme cardápio. O menu versa sobre uma variedade infinita de razões e emoções. Alguns comem pouco, outros vivem sempre famintos. Ora usamos a emoção para escolher a razão conveniente, qual a melhor entrada, acompanhamento, sobremesa, bebida, etc. Ora usamos a razão para fazer o processo inverso.
Nessa escolha, sempre existiu pratos que ainda não degustamos. A escolha errada pode causar mal-estar, diarréia, vômito e até botulismo em nossa alma, em nosso espírito e nas relações que contraímos.
Todos os dias escolhemos a nossa alimentação. Um dia nosso corpo responderá sobre o que ingerimos em nossa vida. Corpo, alma e relações se alimentam.
O corpo tem um coração: um músculo bombeando sangue ininterruptamente. O amor, o ódio, a alegria, a tristeza, a consciência representam o coração da alma. Os contratos, acordos, o casamento, a amizade leal, a cumplicidade representam o coração das relações.
Seguir o coração é delicado. A impulsividade de uma decisão pode afetar aos vários tipos de corações. Alguém pode enfartar, pode ficar triste ou com ódio, destruir um casamento...
Peço perdão a Deus e a todos que magoei por ter seguido o meu coração. Um coração egoísta, frio, que só serviu para atender meus impulsos. Nunca coloquei Deus em minha escolhas. Agi por conta própria...

Sempre imaginei que "o dogma é uma repetição que arranca o prefixo da inverdade". É até bonito esse papo filosófico, mas a vida e as relações afetivas são mais importantes que um discurso de botequim. As vezes precisamos seguir regras com as quais discordamos em sua essência. O pior não é a pena que a regra encerra, mas o efeito borboleta gerado a partir dela. Se fizer A, terá um pena B. Até aí tudo bem! Mas B pode alterar C, que nega D, que interfere em E, e este, corrompe F que engana G, que vicia H que convence I a matar J.

Por tudo isso, não siga o seu coração. Não o conduza se ele for um veículo. Peça a Deus para dirigir. Se tiver pernas, peça a Deus para ser o caminho. Se tiver asas, peça a Deus para ser o ar.
Quem quiser me condenar por ter seguido meu coração, faça-o! Condene-me! Eu mereço. Mas não use seu coração para ser o juiz. Use-o colocando Deus para me sentenciar. Aquele que não o fizer, estará incorrendo no mesmo erro que cometi.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Meu companheiro



Tu sempre me protege da frieza solitária que se estampa nas paredes da minha alma.
Sempre busco o teu refresco quando minhas idéias estão turvas, quando as portas se fecham, quando o remorso me instala e a lâmina de barbear foge do meu rosto querendo me acertar os pulsos.
Tu sabes das minhas ressacas, escutas o grito de negação daquilo que bebi, mas que ontem tinha me aliviado de várias dores. Tu as vê nas marcas de expressão que o tempo e a noite esculpiram no meu rosto banido.
Finco as minhas mãos no teu assento, lembrando ombros, e vejo os meus ébrios olhos a tremular, espelhado naquela água de esmeraldas biliar.
Ali questiono se tudo valeu a pena... Passo a mão na minha face, tento limpar o suor daquele esforço intra-orgânico: valeu, mas até quando?
Os livros são teus amigos, pois tudo o que aprendi neles, dividi um pouco contigo, visto que só lia em voz alta. Sentado em teu trono, incontáveis planos de vida ali eu fiz. Alguns realizei, outros destruí, mas um estou esperando...
Tu estavas comigo no trabalho, na casa dos meus pais, nos bares e restaurantes, nas rodoviárias e aeroportos... És sempre visto sem grande importância, mas todos sabem do teu valor quando as coisas apertam.
Por várias vezes via naquilo que te reveste formas lúdicas, frutos de minha imaginação, parecendo um diálogo visual de linhas e curvas abstratas...
Tu és quase uma igreja, um templo, um rio sagrado que limpa não só as sujeiras exteriores mas também as impurezas espirituais.
Tu já presenciastes não só as minhas orgias e volúpias amorosas, mas a de várias pessoas. Elas te adoram nessas horas. Tu assiste a tudo silenciosamente e depois faz a limpeza do produto oriundo do desejo carnal. Nesse momento, todos nós parecemos atores de filmes pornográficos e tu a lente que capta tudo. Quantos segredos já te contaram?... Milhões! Mas nunca revelastes nenhum.
Em locais públicos, existem aqueles imbecis que costumam te tatuar com palavrões e desenhos obscenos ridículos. Todos irão concordar: quando tu se arruma e fica perfumado, todos levam uma grande impressão do ambiente em que se encontras.
Você na minha casa é especial! Posso ficar com a porta aberta, pode sair cheiro ruim, não importa... Não gosto de você em nenhum outro lugar! Te acho estranho quando estás fora de minha casa, não me sinto a vontade contigo, acredite!
Poderia te chamar de Oráculo, pois oráculos são seres humanos que fazem predições ou oferecem inspirações baseados em uma conexão com os deuses. No mundo antigo, eram os locais que ganharam reputação por distribuir a sabedoria. Isso você sempre me proporcionou.
Vou entrar com um pedido de reconhecimento de união estável. Todas as outras pessoas te chamam de banheiro. Eu inverti esse "b", transformando num "p". Depois coloquei o "com", visto que sempre dividi parte da minha vida contigo. Agora juntando "com" + "p" + "anheiro", gerou: companheiro. Parece idiota, mas o banheiro foi sempre meu companheiro.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O jardim me falou que eu era água...



Hoje acordei lembrando do sonho que tive. Eu estava num lindo jardim... Nele eu já tinha cuidado de várias espécies de plantas, mas tinha um carinho especial por três delas que passei a cuidar de alguns anos pra cá. A primeira espécie cuidei por quase quatro anos. Era um lindo cactus, gordinho, baixinho, espinhos curtos e pontas grossas. Algumas borboletas tinham predileção por ele. Olhava para as outras plantas, mas achava carente aquele cactus que parecia meio rejeitado, diferente e solitário. Quando chegava pelas manhãs, ele me olhava com um ar de ciúme, parecendo que eu não mais o queria. Sempre se entristecia quando regava as outras plantas. Precisava cuidar das outras espécies... era com uma terapia. Eu cuidava para me sentir útil. Conversava com todas as plantas, especialmente com meu cactus. Com o tempo percebi que as outras plantas estavam ficando feias e dei atenção especial para elas, rejeitando um pouco o meu cactus baixinho. Revoltado, ele desenvolveu uma espécie de veneno, afinou as pontas dos espinhos e quando fui regá-lo, ao passar-lhe a mão como um gesto de caridade, ele me furou e o veneno desenvolveu uma alergia em meu corpo, manchado-me com marcas horríveis... tive uma crise nervosa, pois era visível e leproso todas aquelas manchas. Várias pessoas souberam desse fato. Não cuidei mais dele. Ele foi removido do meu jardim por outra pessoa que o colocou em um vaso e lhe dá, até hoje, toda atenção. Na verdade, eu não queria cuidar dele por muito tempo.
A segunda espécie cuide por mais de um ano. Ela era uma linda roseira. Entalada num belo vaso de porcelana chinesa, tinha pequeno porte, galhos finos, as vezes delicada, as vezes espinhosa. Foi muito difícil furtá-la do jardim da senhora Mael. Suas pétalas perfeitas pareciam poesia para meus olhos... seu perfume, um odor de poema para as minhas narinas. Muitas pessoas admiravam aquela pequena imponência. Por ter sido roubada, só a regava escondida. Tive que escondê-la praticamente de todos. As vezes no matagal, as vezes num muro abandonado, debaixo da cama, embaixo da ponte, nos refúgios mais esquisitos de minha cidade. Minha família dizia que aquele tipo de roseira era uma espécie de droga. Papoula da Índia, flor da Tailândia, sei lá... só sei que admirava todo aquele encanto. Quando brotava, aquele botão parecia escrever em minha alma, ficando uma união interminável. Seu cheiro me embriagava e eu simplesmente fugia de mim mesma. Vez por outra seus espinhos me espetavam e aquelas rubras gotas de sangue eram usadas como tinta para pintar o meu destino. Ainda hoje não sei porque gostei tanto daquela roseira...
Acho que queria ser uma abelha para carregar o seu pólen...
Dedique-me tanto a essa roseira que esqueci as outras plantas do meu jardim. Penso que só reguei duas delas, mas poucas vezes. Li muito sobre roseiras e até me empenhei para reproduzir aquela espécie. Depois de muito tempo, já me achava dona dela e acreditava tanto naquela beleza que passei a me sentir um pouco de sol, terra, sais e água para ela. Mas nem tudo é perfeito! Num belo dia, coloquei-a em frente ao meu jardim, apresentando-a em desfavor das outras espécies que ali estavam... Como se fosse um castigo, a senhora Mael passeava por lá e notou o seu vaso colorido de porcelana. Imediatamente agiu de maneira inteligente, colocando as razões que lhe eram justas sobre aquela roseira e a levou consigo. Fiquei extremamente revoltada, pois aquela roseira parecia ser totalmente minha. Se mostrava viçosa quando a regava e aquilo tudo era um sonho dentro de outro sonho... Quase não consigo passar em frente aos jardins, sempre lembro dela e isso me perturba. Seu cheiro, sua forma quase silábica de suas pétalas, faz-me relembrar um daqueles romances medievais, com paixões fervorosas e finais trágicos. Sempre que falo ou escuto falar de roseiras, não consigo esconder o que sinto por ela. Tento esquecê-la, mas é difícil... Contrário ao cactus que me marcou por fora, a roseira marcou minha alma, meu coração...
A terceira espécie, estou cuidando há cinco meses, mas ainda não consegui defini-la... Pensava que era uma trepadeira... mas dá fruto. Pode ser uma videira...
Ser for mesmo, qual tipo de uva ela será? Malbec, Shiraz, Merlot, Cabernet Sauvignon? Não importa... já aprendi muita coisa com essa nova planta. Ela parece carregar uma loucura harmoniosa, uma sensibilidade visível em cada folha, um cheiro lírico parecendo ter arte e sabedoria sobre várias coisas... Deixa sua impressão através de seus tentáculos herbáceos em cada pessoa que a toca. Preciso limpar as ervas daninhas que a rodeiam e cuidar bem para não ter nenhuma praga na minha possível videira. Dela sairá a uva, matéria-prima da bebida do amor, alimentos das paixões, combustível dos corações enamorados... Essa planta foi cultivada lá pelas bandas da Paraíba. Ela cria uma forma de cobertor vegetal para proteger os seus filhotes que estão próximos de suas raízes. Parece que outras plantas adoram a sua sombra. Eu, que pouco reclamo do seu desenvolvimento, espero sentir o amor que senti pela roseira, já que o desejo que tenho em consumir o seu líquido precioso, é sem dúvida, o maior de todos.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Será que permaneceremos?


Há muitos anos, a filosofia, ciência e religião buscam em seus respectivos processos de explicação elucidar ou impor as respostas que sempre incomodaram a humanidade. De onde viemos e para onde vamos? Quem criou ou o que criou tudo isso com tamanha perfeição? O universo é único ou existem outros universos? A grande indagação filosófica parece ter mudado o foco nos últimos tempos. Questões mais importantes estão sendo feitas através de pensadores, cientistas, religiosos, ativistas... A pergunta é: Como iremos permanecer aqui? Este é o nosso mundo e teremos que cuidar dele para que continuemos a habitá-lo. Nosso sistema solar não é eterno e um dia irá "morrer", mas isso demora mais de 6 bilhões de anos... não se preocupe com esse fenômeno! Devemos observar o que em menos de 200 anos conseguimos fazer com o planeta buscando "evoluir" tecnologicamente. Veículos, produtos químicos, desmatamento, água, lixo, guerras e um egoísmo incontrolável da humanidade. Crescer, capitalizar, globalizar, ser competitivo, ser forte tecnologicamente... Receitas, cursos, trabalho, concorrência e tudo isso por qual motivo? Não sabemos de onde viemos e nem pra onde vamos, lembra? E como permanecer? Dessa forma não saberemos o que fazer. O nosso desejo em conquistar, vencer, ser materialmente melhor é mais que tudo e nada pode nos conter... Chamamos os índios de preguiçosos e não aprendemos que a sua filosofia de vida é muito mais sábia que a nossa. Preservar é questão de ordem para a continuidade da espécie humana. Já disseram que o homem é um ser inviável, é lobo do próprio homem e é um ser que pensa que pensa. Analise um pouco e perceba o que as pessoas que estão próximas de você estão pensando neste momento, o que querem e esperam da vida, o que fazem para melhorar o ambiente onde vivem. Estamos a todo instante poluindo, diretamente ou por tabela, o nosso meio. Não fique neurótico tentando consertar o mundo, mas tente melhorar o seu espaço com pequenas atitudes. Menos plástico, vidro jogado fora, pilhas velhas, economizar água, energia, preferir andar a pé ou bike... Se multiplicássemos essas atitudes por 6 bilhões de pessoas que há no planeta, não estaríamos discutindo porque o sol vai morrer em 6 bilhões de anos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Os olhos não enxergam suas próprias lágrimas

Minha matemática, minha física, minha lógica, minha filosofia, meu “direito torto”, meus gráficos, meu cantinho, minha dose, meu sangue, meu pedaço de verdade... Para onde vocês foram? Sempre fui além do que precisava buscando entender o meu tempo, meu espaço, meu deus, meu cosmo. O olhar que lanço para o céu a noite é muito mais que um admirar-se com o brilho das estrelas e da lua. Ele vai pra outras dimensões, sai da via láctea e viaja pelo universo procurando uma compreensão de quão pequenos somos, perdido nesta poeira cósmica, nesta escuridão infinita. Queria saber se estamos ligados de alguma forma com outros mundos, se existem outras formas de vida inteligente, se toda a matéria que é engolida num buraco negro cria uma singularidade, gerando outro espaço-tempo, outro universo, carregando um pouco de nós. Mas apesar desse olhar, dessa compreensão, sinto-me vazio, sem esperanças, sem vida, sem alegria... Não quero sair, não quero entrar, não quero lembrar e nem dizer nada... Que mundinho pequeno que habito!... Mas é meu. O único que tenho.
O telefone toca e um convite é feito pra algo que não queria fazer. Não naquele momento! Mostro-me a fundura do poço que estou e não quero escada, corda ou mão para ser resgatado. Quero ficar ali mais um pouco. Depois de um concordar sem palavras, vou ao banheiro e molho minha cabeça com um leve desejo de ânimo. Acorda! Pede ajuda!...
É uma noite linda, mas só vejo luzes e blocos de concreto amontoados formando essa selva urbana. Olho a perimetral, avenida que faz essa pequena cidade parecer uma capital, vejo carros indo e vindo com destino apenas para o fundo de minha retina. Sigo aquelas luzes imponentes e vou buscar o meu ouvido, minha mente e meu consolo. Carrego-a por toda a cidade, observando a felicidade alheia em cada esquina, cada bar, cada calçada...
Perco-me um pouco nessas faces buscando enxergar minha alma, mas nada importa se eu não encontrá-la.
Remonto toda a falta de expectativa em mim mesmo querendo receber um empurrão de cima do meu penhasco emocional. Queria ouvir as mais sábias palavras... Eis que o milagre acontece!
Não com palavras. Mas com um olhar carregado de lágrimas dividindo a dor que me consumia. Ali eu senti o quanto somos ingratos e pequenos diante de Deus. Ele estava ali do meu lado através dela, minha doce esperança, vestida de mulher, com coração de criança, com gestos simples e sinceros arrancando a estaca que me atravessava o peito. Foi exatamente no brilho daquela lágrima que entendi a grandeza do cosmo, o universo além de mim... A falta de esperança não estava em mim, mas no meu egoísmo, na presença espiritual que abandonei, na falta de compreensão para com o outro que me completa...
Ali eu tinha entendido o tamanho do meu mundo, há quantos anos-luz estava de mim mesmo.
Isso é perturbador. Essa simples gota salgada quando dividida com sabedoria e compaixão, transforma chama de velas em quasares de brilho transcendental, pequenos passos em viagens intergalácticas dentro de sua consciência e no seu eu...
Busquei através de quase tudo o que vivi entender um pouco do mistério que é a vida, a felicidade, o cosmo... Mas nada havia encontrado.
Foi só então, quando dividi meu choro contido, aí sim, vi em cada uma daquelas lágrimas o reflexo daquilo que eu buscava.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Tua alma

Onde seus olhos gritam
Meu canto chora
Onde seu sorriso toca
Meus dedos encantam
Onde suas curvas falam
Minha boca excita
Onde sua mente chora
Minha lágrima entende
Onde sua vida sofre
Minha dor é parto
Onde seu amor é luz
Minha luz é você
Onde minha luz está
Meu estar é amor
Amor que grita, chora, toca,
Encanta, fala, excita, entende,
Sofre, dói, ilumina e que transforma
Minha alma na Tua

Noya

Por quê? Pra onde? Como? Pra quê?...

Deixei tudo
Tudo por nada
Nada importa? (Por quê?)
Porta fechada

Tá quase mudo
Sem dizer nada
Nadar pra frente! (Pra onde?)
Acorrentada?

Dizer o quê?
Que não agrada!?
Num verso curto? (Como?)
Sem curtir nada

Paixão servil
Se era amada
Depois fugiu... (Pra quê?)
Fugiu pra nada!

Noya

A filha que não tivemos

Se ontem, acontecido tivesse
Seria um tanto quanto burrice
Mas por outro lado seria doce
Ela traria a sua meiguice
E se o nome da escolha fosse
Delicado, suave e fácil
Se chamaria Clarisce

Noya