sexta-feira, 6 de agosto de 2010

"A cor dada" pelo meu pequeno gigante



Penso às vezes em ser gente grande só para entender porque ele foi embora. Não sei ao certo porque as pessoas se unem, constroem famílias e depois se vão. Deve ser coisa de gente grande. Montei a sua história relendo as cartas e revendo as fotos naquela cidade fria, tão fria que gelou seu coração.

Eu precisei aprender de cor a reagir sozinha, aprender de coração. Eu precisei da tua cor para pintar o colorido dos meus sonhos. Eu precisei andar sem pegar na tua mão. Eu precisei chorar em silêncio para não te acordar. Você dormiu demais pai!. Você dormiu nove longos anos. Eu transformei esses nove anos em quinze. Você sabe pintar, mas levou o pincel e a tinta da tua presença. Esperei todo esse tempo por tua cor.

Não sei quantas noites tive que esquecer que você existia só para a vida ser um pouco mais doce, suave como uma ária soando e acalmando os meus tímpanos de criança. A dor talvez não tenha sido tão grande porque tive sempre uma grande mulher ao meu lado, uma grande companheira, uma grande mãe e muitas vezes pai. Você me deixou pequena, tão pequena que não percebi quando fui viver o sal da minha infância.

Ali eu também te deixei, não por querer, mas por necessidade dos projetos de gente grande. É coisa de gente grande! Sempre tive você em pedaços, com frações curtas de seu tempo vago. Talvez seja por isso que te achei pequeno. Queria que você fosse grande como minha mãe... A vida me ensinou que não é quantidade de notas que torna uma canção bela, mas a pequena combinação harmoniosa dos seus acordes.

Acorde pai! Eu não tenho mais tempo e preciso ir! Eu vou morar nas montanhas frias e geladas das Minas Gerais. Não penses que estou te deixando como fizestes comigo, apenas preciso acompanhar quem sempre esteve ao meu lado. Deixo aqui o meu despertador de lembrança para que tenhas a lembrança que também penso em ti. Deixo também um pouco de esperança, dois sorrisos partidos com o adeus e a fé que irás acordar... Talvez um dia, quem sabe.

Fiz várias coisas nas lá pelas terras do “uai”: ginástica, balé, viagens, mas o canto me encantou. A música tocou na hora “certa”, não foi Ana Carolina?... Ali eu vivi e quase esqueci que tinhas me deixado. Quando vim de Lá eu tive Dó, mas o Sol não é só para Si, não Mi dei o luxo de Ré tornar. Eu realmente estava noutro mundo. Um mundo de gigantes, uma terra prometida, uma suave esperança, a música adoçava os meus dias...

Mas ele estava lá nas terras da caatinga com seus problemas gigantes, com suas falsas promessas pequenas, com doses exageradas, com seu mundinho miúdo. Não pai! Não ligue mais assim, nós não entendemos seus delírios, suas loucuras, suas escolhas e suas tardias lágrimas esquecidas... Isso é coisa de gente grande. Sabemos o quão grande é seu coração pai, gigante por não caber em si, pequeno por ter agido assim, escuro por não saber que somos o seu sol, escondido porque ainda dorme sozinho.

Eu, tua caçula, com jeito de gente grande, percebo a criança que há em ti, teu pequeno sonho, teu gigante pesadelo. Fui dormir tarde, pulei em tuas costas, quase quebrei tuas costelas. Depois dei risadas e risadas, pum aqui e pum ali. Ao fim, fizemos uma oração e adormeci em seus braços, levemente... O despertador tocou sete horas. Somente acordada, eu percebi a cor dada pelo meu pai aos meus sonhos, a minha vida, a minha voz. A cor dada pelo meu pequeno gigante. Entender a beleza que não morreu. O afeto pulsante que ainda temos. O cuidado em cada filme e sua mensagem. Isso sim parece coisa de gente grande.

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