quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O jardim me falou que eu era água...



Hoje acordei lembrando do sonho que tive. Eu estava num lindo jardim... Nele eu já tinha cuidado de várias espécies de plantas, mas tinha um carinho especial por três delas que passei a cuidar de alguns anos pra cá. A primeira espécie cuidei por quase quatro anos. Era um lindo cactus, gordinho, baixinho, espinhos curtos e pontas grossas. Algumas borboletas tinham predileção por ele. Olhava para as outras plantas, mas achava carente aquele cactus que parecia meio rejeitado, diferente e solitário. Quando chegava pelas manhãs, ele me olhava com um ar de ciúme, parecendo que eu não mais o queria. Sempre se entristecia quando regava as outras plantas. Precisava cuidar das outras espécies... era com uma terapia. Eu cuidava para me sentir útil. Conversava com todas as plantas, especialmente com meu cactus. Com o tempo percebi que as outras plantas estavam ficando feias e dei atenção especial para elas, rejeitando um pouco o meu cactus baixinho. Revoltado, ele desenvolveu uma espécie de veneno, afinou as pontas dos espinhos e quando fui regá-lo, ao passar-lhe a mão como um gesto de caridade, ele me furou e o veneno desenvolveu uma alergia em meu corpo, manchado-me com marcas horríveis... tive uma crise nervosa, pois era visível e leproso todas aquelas manchas. Várias pessoas souberam desse fato. Não cuidei mais dele. Ele foi removido do meu jardim por outra pessoa que o colocou em um vaso e lhe dá, até hoje, toda atenção. Na verdade, eu não queria cuidar dele por muito tempo.
A segunda espécie cuide por mais de um ano. Ela era uma linda roseira. Entalada num belo vaso de porcelana chinesa, tinha pequeno porte, galhos finos, as vezes delicada, as vezes espinhosa. Foi muito difícil furtá-la do jardim da senhora Mael. Suas pétalas perfeitas pareciam poesia para meus olhos... seu perfume, um odor de poema para as minhas narinas. Muitas pessoas admiravam aquela pequena imponência. Por ter sido roubada, só a regava escondida. Tive que escondê-la praticamente de todos. As vezes no matagal, as vezes num muro abandonado, debaixo da cama, embaixo da ponte, nos refúgios mais esquisitos de minha cidade. Minha família dizia que aquele tipo de roseira era uma espécie de droga. Papoula da Índia, flor da Tailândia, sei lá... só sei que admirava todo aquele encanto. Quando brotava, aquele botão parecia escrever em minha alma, ficando uma união interminável. Seu cheiro me embriagava e eu simplesmente fugia de mim mesma. Vez por outra seus espinhos me espetavam e aquelas rubras gotas de sangue eram usadas como tinta para pintar o meu destino. Ainda hoje não sei porque gostei tanto daquela roseira...
Acho que queria ser uma abelha para carregar o seu pólen...
Dedique-me tanto a essa roseira que esqueci as outras plantas do meu jardim. Penso que só reguei duas delas, mas poucas vezes. Li muito sobre roseiras e até me empenhei para reproduzir aquela espécie. Depois de muito tempo, já me achava dona dela e acreditava tanto naquela beleza que passei a me sentir um pouco de sol, terra, sais e água para ela. Mas nem tudo é perfeito! Num belo dia, coloquei-a em frente ao meu jardim, apresentando-a em desfavor das outras espécies que ali estavam... Como se fosse um castigo, a senhora Mael passeava por lá e notou o seu vaso colorido de porcelana. Imediatamente agiu de maneira inteligente, colocando as razões que lhe eram justas sobre aquela roseira e a levou consigo. Fiquei extremamente revoltada, pois aquela roseira parecia ser totalmente minha. Se mostrava viçosa quando a regava e aquilo tudo era um sonho dentro de outro sonho... Quase não consigo passar em frente aos jardins, sempre lembro dela e isso me perturba. Seu cheiro, sua forma quase silábica de suas pétalas, faz-me relembrar um daqueles romances medievais, com paixões fervorosas e finais trágicos. Sempre que falo ou escuto falar de roseiras, não consigo esconder o que sinto por ela. Tento esquecê-la, mas é difícil... Contrário ao cactus que me marcou por fora, a roseira marcou minha alma, meu coração...
A terceira espécie, estou cuidando há cinco meses, mas ainda não consegui defini-la... Pensava que era uma trepadeira... mas dá fruto. Pode ser uma videira...
Ser for mesmo, qual tipo de uva ela será? Malbec, Shiraz, Merlot, Cabernet Sauvignon? Não importa... já aprendi muita coisa com essa nova planta. Ela parece carregar uma loucura harmoniosa, uma sensibilidade visível em cada folha, um cheiro lírico parecendo ter arte e sabedoria sobre várias coisas... Deixa sua impressão através de seus tentáculos herbáceos em cada pessoa que a toca. Preciso limpar as ervas daninhas que a rodeiam e cuidar bem para não ter nenhuma praga na minha possível videira. Dela sairá a uva, matéria-prima da bebida do amor, alimentos das paixões, combustível dos corações enamorados... Essa planta foi cultivada lá pelas bandas da Paraíba. Ela cria uma forma de cobertor vegetal para proteger os seus filhotes que estão próximos de suas raízes. Parece que outras plantas adoram a sua sombra. Eu, que pouco reclamo do seu desenvolvimento, espero sentir o amor que senti pela roseira, já que o desejo que tenho em consumir o seu líquido precioso, é sem dúvida, o maior de todos.

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